Imóvel na planta: vantagens, riscos e garantias que você precisa conhecer

Imóvel na planta: vantagens, riscos e garantias

Por: Fernando M Martins

Leitura de 7 min

Bandeira dos EUA em frente a prédios

Imóvel na planta: vantagens, riscos e garantias que você precisa conhecer

Comprar um imóvel na planta pode ser uma ótima estratégia para pagar menos, parcelar a entrada e receber um apartamento novinho. Ao mesmo tempo, é uma decisão que exige atenção a prazos, índices de correção, contratos, garantias e à solidez da construtora. Este guia explica, de forma direta e prática, como avaliar a compra para reduzir riscos e tomar a melhor decisão para o seu orçamento.

O que significa comprar um imóvel na planta

Na prática, você adquire uma unidade que ainda está em construção ou em pré-lançamento. A venda é regida, principalmente, pela Lei de Incorporações (Lei 4.591/1964), que exige o Registro de Incorporação no cartório de imóveis. Esse registro deve conter o memorial de incorporação, projeto aprovado, especificações, cronograma e demais documentos do empreendimento.

Antes de assinar, confira na matrícula do terreno se a incorporação está registrada e se há patrimônio de afetação — mecanismo que separa o patrimônio da obra do patrimônio da construtora.

Principais vantagens de comprar na planta

  • Preço de lançamento: valores iniciais tendem a ser mais competitivos que imóveis prontos na mesma região.
  • Entrada parcelada: é comum dividir o valor de entrada em parcelas durante a obra, facilitando o fluxo de caixa.
  • Personalização: possibilidade de escolher planta, acabamentos e pequenas alterações (quando oferecidas pela construtora).
  • Valorização potencial: bairros em desenvolvimento e melhorias urbanas podem valorizar o imóvel até a entrega.
  • Condomínio novo: áreas comuns e sistemas prediais modernos, mais eficientes e com menor manutenção inicial.

Riscos e como se proteger

Prazo de entrega e cláusula de tolerância

O contrato costuma prever um prazo estimado de entrega e uma cláusula de tolerância — prática do mercado que geralmente é de até 180 dias. Certifique-se de que o prazo e a tolerância estejam claros no contrato e no quadro-resumo.

Atraso na obra: o que observar

  • Comunicação oficial: guarde informativos sobre estágio da obra. Transparência é um bom sinal de gestão.
  • Direitos em caso de atraso injustificado: em geral, o consumidor pode discutir multa, lucros cessantes (perda de aluguel potencial) ou rescisão com devolução. Avalie com orientação jurídica.
  • Habite-se e averbação: a entrega só se concretiza com a emissão do Habite-se pela prefeitura e a averbação da construção no registro de imóveis.

Risco de solvência da construtora

Uma construtora sólida reduz o risco de paralisação da obra. O patrimônio de afetação protege o empreendimento de eventuais dívidas da empresa, pois os recursos e bens do projeto ficam separados. Prefira empreendimentos afetados e verifique essa informação na matrícula do imóvel.

Preço, correção do saldo e índices mais usados

Em imóvel na planta, o saldo devedor geralmente é atualizado por um índice de construção durante a obra, como o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), e por outro índice de inflação após a conclusão (como IPCA), conforme contrato. Leia com atenção o quadro-resumo e a cláusula de reajuste.

INCC, CUB, IGP-M e IPCA: quando se aplicam

  • INCC: mede a variação de custos de materiais e mão de obra da construção. É o mais usado para corrigir parcelas durante a obra.
  • CUB: custo básico da construção; pode aparecer como referência técnica, mas menos comum como indexador de parcelas.
  • IGP-M/IPCA: índices de inflação ampla; podem corrigir parcelas após a entrega ou contratos de financiamento, a depender do acordo.

Exemplo prático de correção mensal

Suponha um saldo devedor de R$ 300.000 corrigido pelo INCC com variação de 0,40% no mês:

  1. Saldo anterior: R$ 300.000,00
  2. Correção: 0,40% x 300.000 = R$ 1.200,00
  3. Novo saldo: R$ 301.200,00

Se a parcela é um percentual do saldo, ela também sobe. Antes de assinar, simule cenários com diferentes variações do índice para saber como o valor pode evoluir.

Juros de obra (taxa de evolução)

Quando o financiamento bancário é contratado antes da entrega (modelos associativos), o banco libera recursos gradualmente à medida que a obra avança. Sobre o valor liberado incidem os chamados juros de obra (ou taxa de evolução de obra) até a conclusão. Planeje esse custo temporário: ele cessa com a entrega e o início das parcelas de amortização do financiamento.

Distrato: regras, multas e prazos

O cancelamento do contrato tem regras específicas desde a Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), que também fortaleceu o quadro-resumo com informações essenciais: preço total, índice de correção, prazo de entrega, comissões, multa por desistência, além da existência ou não de patrimônio de afetação.

  • Distrato por arrependimento do comprador: a lei prevê retenções de parte dos valores pagos, que variam conforme o contrato e o regime do empreendimento. Em projetos com patrimônio de afetação, a retenção pode ser maior do que em projetos sem afetação, além de possível cobrança por fruição (uso) se houve posse do imóvel.
  • Distrato por culpa da construtora: em caso de atraso injustificado ou outras infrações contratuais, a restituição tende a ser mais favorável ao comprador, podendo incluir multa e correção integral. Cada caso depende do contrato e de eventual decisão judicial.
  • Prazos de devolução: a lei estabelece prazos e forma de restituição conforme a situação (com ou sem afetação). Verifique o que está expresso no seu contrato e no quadro-resumo.

Antes de desistir, avalie alternativas: cessão de direitos (venda do contrato a terceiro), renegociação do fluxo de pagamento ou troca de unidade, se a construtora oferecer.

Patrimônio de afetação: o que é e por que importa

O patrimônio de afetação (Lei 10.931/2004) separa juridicamente os bens, direitos e receitas do empreendimento do patrimônio geral da construtora. Em caso de dificuldade financeira da empresa, os recursos afetados ficam vinculados à conclusão daquele projeto, aumentando a segurança dos compradores.

  • Como verificar: a afetação deve constar na matrícula do imóvel (cartório de registro de imóveis).
  • Transparência: a obra afetada costuma ter contabilidade própria e relatórios de evolução, o que favorece a fiscalização.

Documentos e checklist antes de assinar

  • Registro de Incorporação na matrícula do terreno.
  • Alvará de construção e projeto aprovado pela prefeitura.
  • Memorial de incorporação, planta e especificações do padrão de acabamento.
  • Quadro-resumo com: preço total, índices de correção, prazo de entrega e tolerância, forma de pagamento, multas, corretagem e demais custos.
  • Contrato com cláusulas claras sobre atraso, distrato, garantias e assistência técnica.
  • Certidões da construtora e da SPE (quando houver): CNPJ, ações relevantes, situação fiscal e trabalhista.
  • Patrimônio de afetação e eventuais gravames na matrícula.

Como avaliar a construtora

  • Histórico de entregas: visite obras já entregues; converse com moradores sobre assistência pós-obra.
  • Reputação: pesquise reclamações em órgãos de defesa do consumidor e processos judiciais relevantes.
  • Saúde financeira: analise a existência de SPE (Sociedade de Propósito Específico), financiamentos de produção e relatórios públicos.
  • Transparência: materiais técnicos, cronogramas e comunicação regular indicam governança mais robusta.
  • Garantias e pós-venda: verifique prazos e canais de atendimento para assistência técnica.

Financiamento e custos da compra na planta

Formas de pagamento mais comuns

  • Parcelamento direto com a construtora: pagamento do sinal e parcelas durante a obra; o saldo pode ser quitado na entrega das chaves via financiamento bancário.
  • Financiamento associativo: o banco financia a produção; você assina o contrato antes da entrega e paga juros de obra até a conclusão.
  • Repasse na entrega: o financiamento de longo prazo começa após o Habite-se, com amortização das parcelas.

Custos e taxas a considerar

  • Correção do saldo (INCC durante a obra e índice pós-obra conforme contrato).
  • Juros de obra em modelos associativos.
  • ITBI e registro do contrato (pagos no momento do financiamento/transferência de propriedade).
  • Corretagem: deve estar informada no quadro-resumo, com valor e forma de pagamento.
  • Taxas cartorárias e emissão de certidões.
  • Despesas condominiais a partir da entrega das chaves (ou da posse).

Planejamento do fluxo de caixa

  1. Mapeie todas as parcelas: sinal, mensais, intermediárias, reforços e parcela das chaves.
  2. Simule a correção do saldo com cenários conservadores e realistas.
  3. Antecipe custos de financiamento: taxas, seguros obrigatórios e eventual juros de obra.
  4. Reserva: mantenha uma margem para imprevistos e variações de índice.

Vistoria, entrega das chaves e garantias

Vistoria técnica

  • Check-list: verifique pisos, portas, janelas, elétrica, hidráulica, gás, esquadrias e acabamentos. Teste torneiras, descargas e tomadas.
  • Relacione pendências no termo de vistoria (lista de reparos a serem feitos antes da posse).
  • Documentos: a entrega formal pede Habite-se, AVCB (quando aplicável), manual do proprietário e instituição do condomínio.

Manual do proprietário e responsabilidades

O manual do proprietário traz instruções de uso e manutenção e os prazos de garantia por sistema (estrutural, hidráulico, impermeabilização, revestimentos etc.). Seguir o manual é condição para preservar a garantia.

Garantias legais e prazos de referência

  • Vícios aparentes: a relação de consumo prevê garantia legal mínima e prazos para reclamar, contando da entrega ou da identificação do problema, conforme o caso.
  • Solidez e segurança: o Código Civil (art. 618) estabelece responsabilidade do construtor por 5 anos quanto à solidez e segurança da obra.
  • Desempenho: a NBR 15.575 define requisitos de desempenho e vida útil para sistemas da edificação. O contrato pode prever garantias contratuais adicionais.

Em caso de problemas, acione primeiro a assistência técnica da construtora, registrando protocolos e fotos. Persistindo o impasse, procure orientação de um profissional ou órgão de defesa do consumidor.

Exemplo completo: como ler um fluxo de pagamento

Imagine um apartamento de R$ 500.000 com 20% de entrada e saldo financiado na entrega. Durante 24 meses de obra:

  • Sinal: R$ 20.000 na assinatura.
  • Mensais: 24 parcelas de R$ 3.000 corrigidas pelo INCC.
  • Intermediárias: 2 reforços semestrais de R$ 15.000 corrigidos.
  • Chaves: R$ 65.000 na entrega (parte da entrada). Saldo de R$ 400.000 para financiar.

Nesse cenário, simule: (1) a evolução das parcelas com variações de INCC; (2) custos de financiamento após a entrega (taxa, seguros, CET); (3) eventual juros de obra se o contrato for associativo. Assim, você verifica a capacidade de pagamento no presente e no futuro.

Direitos do comprador na fase de obra

  • Transparência sobre o andamento da obra e mudanças relevantes no projeto.
  • Fidelidade ao memorial: materiais, áreas comuns e metragens devem seguir as especificações contratadas, salvo alterações legalmente autorizadas e informadas.
  • Assembleia de implantação do condomínio, com eleição do síndico e aprovação de regimento e previsão orçamentária.

Perguntas rápidas (FAQ)

1) O que é o quadro-resumo e por que ele importa?

É um resumo obrigatório com as condições essenciais do contrato: preço total, índices de correção, prazo de entrega e tolerância, comissão de corretagem, multas e demais custos. Ele facilita a leitura e é referência em disputas.

2) A área privativa pode mudar?

Pequenas variações podem ocorrer por ajustes de projeto e execução. O contrato deve indicar a tolerância e o que acontece se a variação ultrapassar o limite, inclusive quanto a complemento ou devolução de valores.

3) Posso vender o contrato antes da entrega?

Sim, por cessão de direitos, se o contrato permitir. Normalmente exige anuência da construtora e pagamento de taxas. Verifique regras e eventuais tributos.

4) Quando pago ITBI e registro?

Geralmente no financiamento/repasse, quando ocorre a transferência da propriedade e o registro do contrato no cartório de imóveis.

5) O que é juros de obra?

É o encargo cobrado pelo banco sobre os valores liberados à construtora nos financiamentos associados à produção. Vigora até a conclusão da obra, quando inicia a amortização normal do financiamento.

6) Como saber se o empreendimento tem patrimônio de afetação?

Consta na matrícula do imóvel. Peça a matrícula atualizada no cartório ou à construtora e confirme o termo de afetação.

7) Atrasou além da tolerância: e agora?

Guarde as evidências, notifique a construtora e avalie opções: manter o contrato com eventual indenização, negociar condições ou distratar. Busque orientação jurídica para medir riscos e prazos.

Dicas finais para uma compra segura

  • Leia tudo: contrato, quadro-resumo, memorial e manual do proprietário.
  • Simule cenários de correção e juros antes de se comprometer.
  • Cheque documentos: incorporação registrada, alvará, afetação, certidões.
  • Pesquise a construtora: histórico, obras entregues, reputação e assistência.
  • Planeje o caixa: do sinal às chaves, incluindo custos cartorários e condominiais.
  • Guarde comprovantes e comunicações. Eles ajudam em qualquer eventual disputa.

Conclusão

Comprar imóvel na planta pode unir preço competitivo, flexibilidade de pagamento e valorização — desde que você domine as regras do jogo: prazos, correção do saldo, distrato, patrimônio de afetação e garantias. Se ainda estiver em dúvida, guarde este guia, faça suas simulações e consulte um profissional de confiança para revisar o contrato. Informação e planejamento são as melhores chaves para entrar no imóvel certo.