Imóvel na planta: vantagens, riscos e garantias que você precisa conhecer
Comprar um imóvel na planta pode ser uma ótima estratégia para pagar menos, parcelar a entrada e receber um apartamento novinho. Ao mesmo tempo, é uma decisão que exige atenção a prazos, índices de correção, contratos, garantias e à solidez da construtora. Este guia explica, de forma direta e prática, como avaliar a compra para reduzir riscos e tomar a melhor decisão para o seu orçamento.
O que significa comprar um imóvel na planta
Na prática, você adquire uma unidade que ainda está em construção ou em pré-lançamento. A venda é regida, principalmente, pela Lei de Incorporações (Lei 4.591/1964), que exige o Registro de Incorporação no cartório de imóveis. Esse registro deve conter o memorial de incorporação, projeto aprovado, especificações, cronograma e demais documentos do empreendimento.
Antes de assinar, confira na matrícula do terreno se a incorporação está registrada e se há patrimônio de afetação — mecanismo que separa o patrimônio da obra do patrimônio da construtora.
Principais vantagens de comprar na planta
- Preço de lançamento: valores iniciais tendem a ser mais competitivos que imóveis prontos na mesma região.
- Entrada parcelada: é comum dividir o valor de entrada em parcelas durante a obra, facilitando o fluxo de caixa.
- Personalização: possibilidade de escolher planta, acabamentos e pequenas alterações (quando oferecidas pela construtora).
- Valorização potencial: bairros em desenvolvimento e melhorias urbanas podem valorizar o imóvel até a entrega.
- Condomínio novo: áreas comuns e sistemas prediais modernos, mais eficientes e com menor manutenção inicial.
Riscos e como se proteger
Prazo de entrega e cláusula de tolerância
O contrato costuma prever um prazo estimado de entrega e uma cláusula de tolerância — prática do mercado que geralmente é de até 180 dias. Certifique-se de que o prazo e a tolerância estejam claros no contrato e no quadro-resumo.
Atraso na obra: o que observar
- Comunicação oficial: guarde informativos sobre estágio da obra. Transparência é um bom sinal de gestão.
- Direitos em caso de atraso injustificado: em geral, o consumidor pode discutir multa, lucros cessantes (perda de aluguel potencial) ou rescisão com devolução. Avalie com orientação jurídica.
- Habite-se e averbação: a entrega só se concretiza com a emissão do Habite-se pela prefeitura e a averbação da construção no registro de imóveis.
Risco de solvência da construtora
Uma construtora sólida reduz o risco de paralisação da obra. O patrimônio de afetação protege o empreendimento de eventuais dívidas da empresa, pois os recursos e bens do projeto ficam separados. Prefira empreendimentos afetados e verifique essa informação na matrícula do imóvel.
Preço, correção do saldo e índices mais usados
Em imóvel na planta, o saldo devedor geralmente é atualizado por um índice de construção durante a obra, como o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), e por outro índice de inflação após a conclusão (como IPCA), conforme contrato. Leia com atenção o quadro-resumo e a cláusula de reajuste.
INCC, CUB, IGP-M e IPCA: quando se aplicam
- INCC: mede a variação de custos de materiais e mão de obra da construção. É o mais usado para corrigir parcelas durante a obra.
- CUB: custo básico da construção; pode aparecer como referência técnica, mas menos comum como indexador de parcelas.
- IGP-M/IPCA: índices de inflação ampla; podem corrigir parcelas após a entrega ou contratos de financiamento, a depender do acordo.
Exemplo prático de correção mensal
Suponha um saldo devedor de R$ 300.000 corrigido pelo INCC com variação de 0,40% no mês:
- Saldo anterior: R$ 300.000,00
- Correção: 0,40% x 300.000 = R$ 1.200,00
- Novo saldo: R$ 301.200,00
Se a parcela é um percentual do saldo, ela também sobe. Antes de assinar, simule cenários com diferentes variações do índice para saber como o valor pode evoluir.
Juros de obra (taxa de evolução)
Quando o financiamento bancário é contratado antes da entrega (modelos associativos), o banco libera recursos gradualmente à medida que a obra avança. Sobre o valor liberado incidem os chamados juros de obra (ou taxa de evolução de obra) até a conclusão. Planeje esse custo temporário: ele cessa com a entrega e o início das parcelas de amortização do financiamento.
Distrato: regras, multas e prazos
O cancelamento do contrato tem regras específicas desde a Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), que também fortaleceu o quadro-resumo com informações essenciais: preço total, índice de correção, prazo de entrega, comissões, multa por desistência, além da existência ou não de patrimônio de afetação.
- Distrato por arrependimento do comprador: a lei prevê retenções de parte dos valores pagos, que variam conforme o contrato e o regime do empreendimento. Em projetos com patrimônio de afetação, a retenção pode ser maior do que em projetos sem afetação, além de possível cobrança por fruição (uso) se houve posse do imóvel.
- Distrato por culpa da construtora: em caso de atraso injustificado ou outras infrações contratuais, a restituição tende a ser mais favorável ao comprador, podendo incluir multa e correção integral. Cada caso depende do contrato e de eventual decisão judicial.
- Prazos de devolução: a lei estabelece prazos e forma de restituição conforme a situação (com ou sem afetação). Verifique o que está expresso no seu contrato e no quadro-resumo.
Antes de desistir, avalie alternativas: cessão de direitos (venda do contrato a terceiro), renegociação do fluxo de pagamento ou troca de unidade, se a construtora oferecer.
Patrimônio de afetação: o que é e por que importa
O patrimônio de afetação (Lei 10.931/2004) separa juridicamente os bens, direitos e receitas do empreendimento do patrimônio geral da construtora. Em caso de dificuldade financeira da empresa, os recursos afetados ficam vinculados à conclusão daquele projeto, aumentando a segurança dos compradores.
- Como verificar: a afetação deve constar na matrícula do imóvel (cartório de registro de imóveis).
- Transparência: a obra afetada costuma ter contabilidade própria e relatórios de evolução, o que favorece a fiscalização.
Documentos e checklist antes de assinar
- Registro de Incorporação na matrícula do terreno.
- Alvará de construção e projeto aprovado pela prefeitura.
- Memorial de incorporação, planta e especificações do padrão de acabamento.
- Quadro-resumo com: preço total, índices de correção, prazo de entrega e tolerância, forma de pagamento, multas, corretagem e demais custos.
- Contrato com cláusulas claras sobre atraso, distrato, garantias e assistência técnica.
- Certidões da construtora e da SPE (quando houver): CNPJ, ações relevantes, situação fiscal e trabalhista.
- Patrimônio de afetação e eventuais gravames na matrícula.
Como avaliar a construtora
- Histórico de entregas: visite obras já entregues; converse com moradores sobre assistência pós-obra.
- Reputação: pesquise reclamações em órgãos de defesa do consumidor e processos judiciais relevantes.
- Saúde financeira: analise a existência de SPE (Sociedade de Propósito Específico), financiamentos de produção e relatórios públicos.
- Transparência: materiais técnicos, cronogramas e comunicação regular indicam governança mais robusta.
- Garantias e pós-venda: verifique prazos e canais de atendimento para assistência técnica.
Financiamento e custos da compra na planta
Formas de pagamento mais comuns
- Parcelamento direto com a construtora: pagamento do sinal e parcelas durante a obra; o saldo pode ser quitado na entrega das chaves via financiamento bancário.
- Financiamento associativo: o banco financia a produção; você assina o contrato antes da entrega e paga juros de obra até a conclusão.
- Repasse na entrega: o financiamento de longo prazo começa após o Habite-se, com amortização das parcelas.
Custos e taxas a considerar
- Correção do saldo (INCC durante a obra e índice pós-obra conforme contrato).
- Juros de obra em modelos associativos.
- ITBI e registro do contrato (pagos no momento do financiamento/transferência de propriedade).
- Corretagem: deve estar informada no quadro-resumo, com valor e forma de pagamento.
- Taxas cartorárias e emissão de certidões.
- Despesas condominiais a partir da entrega das chaves (ou da posse).
Planejamento do fluxo de caixa
- Mapeie todas as parcelas: sinal, mensais, intermediárias, reforços e parcela das chaves.
- Simule a correção do saldo com cenários conservadores e realistas.
- Antecipe custos de financiamento: taxas, seguros obrigatórios e eventual juros de obra.
- Reserva: mantenha uma margem para imprevistos e variações de índice.
Vistoria, entrega das chaves e garantias
Vistoria técnica
- Check-list: verifique pisos, portas, janelas, elétrica, hidráulica, gás, esquadrias e acabamentos. Teste torneiras, descargas e tomadas.
- Relacione pendências no termo de vistoria (lista de reparos a serem feitos antes da posse).
- Documentos: a entrega formal pede Habite-se, AVCB (quando aplicável), manual do proprietário e instituição do condomínio.
Manual do proprietário e responsabilidades
O manual do proprietário traz instruções de uso e manutenção e os prazos de garantia por sistema (estrutural, hidráulico, impermeabilização, revestimentos etc.). Seguir o manual é condição para preservar a garantia.
Garantias legais e prazos de referência
- Vícios aparentes: a relação de consumo prevê garantia legal mínima e prazos para reclamar, contando da entrega ou da identificação do problema, conforme o caso.
- Solidez e segurança: o Código Civil (art. 618) estabelece responsabilidade do construtor por 5 anos quanto à solidez e segurança da obra.
- Desempenho: a NBR 15.575 define requisitos de desempenho e vida útil para sistemas da edificação. O contrato pode prever garantias contratuais adicionais.
Em caso de problemas, acione primeiro a assistência técnica da construtora, registrando protocolos e fotos. Persistindo o impasse, procure orientação de um profissional ou órgão de defesa do consumidor.
Exemplo completo: como ler um fluxo de pagamento
Imagine um apartamento de R$ 500.000 com 20% de entrada e saldo financiado na entrega. Durante 24 meses de obra:
- Sinal: R$ 20.000 na assinatura.
- Mensais: 24 parcelas de R$ 3.000 corrigidas pelo INCC.
- Intermediárias: 2 reforços semestrais de R$ 15.000 corrigidos.
- Chaves: R$ 65.000 na entrega (parte da entrada). Saldo de R$ 400.000 para financiar.
Nesse cenário, simule: (1) a evolução das parcelas com variações de INCC; (2) custos de financiamento após a entrega (taxa, seguros, CET); (3) eventual juros de obra se o contrato for associativo. Assim, você verifica a capacidade de pagamento no presente e no futuro.
Direitos do comprador na fase de obra
- Transparência sobre o andamento da obra e mudanças relevantes no projeto.
- Fidelidade ao memorial: materiais, áreas comuns e metragens devem seguir as especificações contratadas, salvo alterações legalmente autorizadas e informadas.
- Assembleia de implantação do condomínio, com eleição do síndico e aprovação de regimento e previsão orçamentária.
Perguntas rápidas (FAQ)
1) O que é o quadro-resumo e por que ele importa?
É um resumo obrigatório com as condições essenciais do contrato: preço total, índices de correção, prazo de entrega e tolerância, comissão de corretagem, multas e demais custos. Ele facilita a leitura e é referência em disputas.
2) A área privativa pode mudar?
Pequenas variações podem ocorrer por ajustes de projeto e execução. O contrato deve indicar a tolerância e o que acontece se a variação ultrapassar o limite, inclusive quanto a complemento ou devolução de valores.
3) Posso vender o contrato antes da entrega?
Sim, por cessão de direitos, se o contrato permitir. Normalmente exige anuência da construtora e pagamento de taxas. Verifique regras e eventuais tributos.
4) Quando pago ITBI e registro?
Geralmente no financiamento/repasse, quando ocorre a transferência da propriedade e o registro do contrato no cartório de imóveis.
5) O que é juros de obra?
É o encargo cobrado pelo banco sobre os valores liberados à construtora nos financiamentos associados à produção. Vigora até a conclusão da obra, quando inicia a amortização normal do financiamento.
6) Como saber se o empreendimento tem patrimônio de afetação?
Consta na matrícula do imóvel. Peça a matrícula atualizada no cartório ou à construtora e confirme o termo de afetação.
7) Atrasou além da tolerância: e agora?
Guarde as evidências, notifique a construtora e avalie opções: manter o contrato com eventual indenização, negociar condições ou distratar. Busque orientação jurídica para medir riscos e prazos.
Dicas finais para uma compra segura
- Leia tudo: contrato, quadro-resumo, memorial e manual do proprietário.
- Simule cenários de correção e juros antes de se comprometer.
- Cheque documentos: incorporação registrada, alvará, afetação, certidões.
- Pesquise a construtora: histórico, obras entregues, reputação e assistência.
- Planeje o caixa: do sinal às chaves, incluindo custos cartorários e condominiais.
- Guarde comprovantes e comunicações. Eles ajudam em qualquer eventual disputa.
Conclusão
Comprar imóvel na planta pode unir preço competitivo, flexibilidade de pagamento e valorização — desde que você domine as regras do jogo: prazos, correção do saldo, distrato, patrimônio de afetação e garantias. Se ainda estiver em dúvida, guarde este guia, faça suas simulações e consulte um profissional de confiança para revisar o contrato. Informação e planejamento são as melhores chaves para entrar no imóvel certo.
LarVista
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