Contrato, escritura e registro: diferenças, ordem correta e como garantir a propriedade

Contrato, escritura e registro: diferenças e ordem correta

Por: Fernando M Martins

Leitura de 7 min

Bandeira dos EUA em frente a prédios

Contrato, escritura e registro: diferenças, ordem correta e como garantir a propriedade

Comprar um imóvel é uma conquista — e também um processo com etapas jurídicas essenciais. Três delas costumam gerar dúvidas: contrato, escritura e registro. Entender a função de cada uma, a ordem correta e os riscos de pular fases evita prejuízos e garante que o bem seja, de fato, seu.

No Brasil, a propriedade imobiliária só se transfere com o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do Código Civil). Ou seja: contrato assinado e escritura lavrada ainda não bastam. A seguir, um guia prático e direto para você fechar negócio com segurança.

Diferenças entre contrato, escritura e registro

Cada documento cumpre um papel específico na compra e venda. Confundir ou inverter etapas pode gerar atrasos, custos extras e até perda do imóvel.

1) Contrato de compra e venda

O contrato (proposta, compromisso, promessa ou contrato particular) estabelece as condições do negócio: preço, prazos, arras/sinal, obrigações, multas, entrega de chaves e documentos. Ele é um título obrigacional — cria o dever de cumprir o que foi combinado, como lavrar a escritura e pagar o preço —, mas não transfere a propriedade por si só.

  • Quando usar: para formalizar a negociação e dar segurança até a escritura e o registro.
  • O que observar: dados completos das partes, descrição fiel do imóvel (conforme a matrícula), condição de pagamento, prazos, quem paga taxas e tributos, multas por descumprimento, possibilidade de rescisão e posse.
  • Arras (sinal): usual para vincular o negócio. Defina se é confirmatória (com multa) ou penitencial (com direito de arrependimento conforme previsão contratual).

Atenção: se o imóvel vale mais de 30 salários mínimos, a lei exige escritura pública para que o título possa ser levado a registro (art. 108 do Código Civil), salvo hipóteses legais específicas.

2) Escritura pública

É o documento feito em Cartório de Notas que formaliza a compra e venda com fé pública do tabelião. Confere autenticidade e publicidade ao ato, mas, por si só, ainda não transfere a propriedade. A escritura é, em regra, o título que será levado ao Registro de Imóveis.

  • Obrigatoriedade: para negócios acima de 30 salários mínimos (art. 108 do CC) e em várias modalidades de transmissão (compra e venda, doação, dação).
  • Onde fazer: em qualquer Tabelionato de Notas do país (regra geral), com a documentação exigida.
  • ITBI: na compra e venda, o Imposto de Transmissão (municipal) precisa ser pago para lavrar a escritura ou, no mínimo, antes do registro, conforme a regra local.
  • Conferência: o tabelião confere capacidade das partes, poderes (procurações), quitações e a matrícula atualizada.

3) Registro no Cartório de Registro de Imóveis

O registro é a etapa que efetiva a transferência da propriedade. Ele é feito no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) da circunscrição onde está o bem, na matrícula do imóvel. A partir do registro, você aparece como proprietário perante terceiros (efeito erga omnes).

  • Prenotação: ao dar entrada, seu título recebe um número de protocolo que garante prioridade na fila do cartório.
  • Exigências: se houver pendências, o oficial aponta o que falta para você complementar dentro de prazo legal.
  • Resultado: com o registro concluído, uma nova certidão de matrícula mostrará você como proprietário.

Resumo crucial: contrato organiza o negócio, escritura formaliza com fé pública, e registro transfere a propriedade. Pular o registro é o erro mais comum e mais arriscado.

Exceções que costumam dispensar escritura

Há situações em que a lei permite instrumento particular com força de escritura pública, que pode ser levado diretamente ao Registro de Imóveis:

  • Financiamento com alienação fiduciária (Lei 9.514/97): contratos de bancos (SFH/SFI) são registráveis sem escritura pública.
  • Compromisso de compra e venda registrável (ex.: incorporação imobiliária): em certos casos, o compromisso pode ser registrado, garantindo o direito do comprador. Ainda assim, a propriedade plena costuma depender do registro do título definitivo (escritura ou contrato com força de escritura) após a quitação.
  • Arrematação em leilão judicial: a carta de arrematação, após trânsito, é o título a ser registrado.
  • Usucapião extrajudicial: o reconhecimento no Registro de Imóveis forma o título e efetiva a propriedade.

Em caso de dúvida, confirme no seu CRI e no Tabelionato de Notas quais títulos são exigidos para a sua modalidade de negócio.

Ordem correta: passo a passo para comprar e registrar

  1. Consulte a matrícula atualizada do imóvel no CRI. Verifique titularidade, área, descrição, ônus (hipoteca, penhora, alienação fiduciária) e restrições. Matrícula recente é a base de toda a análise.
  2. Faça a due diligence das partes e do bem: certidões do vendedor, comprovação de quitação de IPTU e condomínio, eventuais débitos e ações em curso. Em imóveis rurais, confira CCIR, ITR e CAR.
  3. Negocie e assine o contrato estabelecendo preço, prazos, arras, condições de entrega e quem arca com ITBI, escritura, registro e certidões.
  4. Pague o ITBI conforme exigência do seu município (muitos pedem antes da escritura; outros, até o registro). Guarde a guia paga e o comprovante.
  5. Lavre a escritura pública no Tabelionato de Notas (quando exigida ou escolhida). Leve todos os documentos e a guia do ITBI.
  6. Leve o título ao Registro de Imóveis competente (escritura, ou contrato registrável, com guias e certidões). Acompanhe a prenotação e atenda às exigências, se houver.
  7. Retire a matrícula atualizada com seu nome como proprietário. Só a partir daí o imóvel é juridicamente seu.

Prazos e tempo médio: a lavratura da escritura costuma ser rápida após a conferência dos documentos. O registro pode levar de alguns dias a poucas semanas, dependendo do cartório e da existência de exigências. Em geral, a lei assegura prazos para complementações após a prenotação.

Documentos e certidões essenciais

Os cartórios podem pedir complementos conforme o caso, mas, em geral, estes são os documentos mais solicitados:

Do imóvel

  • Matrícula atualizada (certidão de inteiro teor).
  • IPTU e dados cadastrais; em apartamento, declaração de quitação condominial.
  • Habite-se (em imóveis novos) e, se houver reformas, alvarás/averbações.
  • Imóvel rural: CCIR, ITR, CAR e, quando aplicável, georreferenciamento.

Das partes (pessoa física)

  • RG e CPF; estado civil e regime de bens (certidão de casamento atualizada, pacto antenupcial, se houver).
  • Comprovante de endereço e profissão.
  • Certidões forenses e fiscais do vendedor (cíveis, criminais, executivos fiscais, trabalhistas), conforme praxe local.

Pessoa jurídica

  • Contrato/estatuto social e últimas alterações; CNPJ.
  • Documentos dos representantes; atos societários autorizando a venda/compra quando exigidos.
  • Certidões negativas fiscais e trabalhistas conforme o caso.

Procurações: se alguém assinar por procuração, ela deve ser pública, com poderes específicos e vigente. O cartório confere sua validade em centrais eletrônicas.

Custos, taxas e quem paga

Os custos variam por estado e município, mas normalmente incluem:

  • ITBI (municipal): alíquota definida pela prefeitura, frequentemente entre 2% e 3%. A base de cálculo pode ser o valor de referência municipal ou o valor da transação, conforme regra local.
  • Emolumentos cartorários: tabelados por cada estado para a escritura (Cartório de Notas) e para o registro (Registro de Imóveis). Muitos cartórios oferecem simuladores de custos.
  • Certidões e diligências: emissão de certidões, cópias autenticadas, assessoria documental.

Quem paga? Por prática de mercado, o comprador assume ITBI, escritura e registro; o vendedor quita débitos até a data da venda (IPTU, condomínio, taxas) e providencia documentos que comprovem a regularidade. Tudo pode ser negociado no contrato.

Em financiamentos, há custos adicionais (avaliação do imóvel, seguros, tarifas bancárias) e, em regra, registra-se a alienação fiduciária do banco junto com a transferência ao comprador (quando o título é o contrato bancário registrável).

Riscos de pular etapas — e como evitá-los

  • Sem escritura (quando obrigatória): o contrato particular pode não ser título apto ao registro. Você fica dependente de lavrar a escritura depois; se o vendedor falecer, desaparecer ou entrar em litígio, o risco e o custo aumentam.
  • Sem registro: o imóvel continua, juridicamente, no nome do vendedor. Pode haver penhora, bloqueio ou até uma segunda venda a terceiro que registre antes de você (princípio da prioridade no CRI).
  • Fraudes documentais: identidades falsas e procurações inválidas circulam no mercado. Verifique em cartório a autenticidade e a vigência de procurações; confirme a titularidade pela matrícula atualizada e evite pagamentos sem segurança.
  • Tributos e débitos: ITBI não pago impede o registro; débitos de IPTU e condomínio podem recair sobre o imóvel e afetar o novo proprietário.

Dica prática: sempre protocole o título no Registro de Imóveis o quanto antes. A prenotação assegura sua prioridade e, se surgirem exigências, você terá prazo para saná-las sem perder a fila.

Exemplos rápidos do dia a dia

  • Compra à vista entre particulares: assina-se o contrato, recolhe-se o ITBI, lavra-se a escritura e registra-se no CRI. Somente após o registro a propriedade muda de dono.
  • Financiamento bancário: o banco firma um instrumento particular com força de escritura, que é levado ao registro. O CRI registra a compra e a alienação fiduciária em favor do banco.
  • Imóvel na planta: o compromisso pode ser registrável e dá segurança ao comprador. Ao final (com a emissão das unidades e quitação), registra-se o título definitivo para consolidar a propriedade plena no nome do adquirente.
  • Leilão judicial: a carta de arrematação é o título que vai ao registro. Após registrado, o imóvel passa formalmente ao arrematante.

Perguntas frequentes

Contrato particular é válido?

Sim, como acordo de vontades e obrigação de fazer. Mas, via de regra, não transfere propriedade sem a escritura (quando exigida) e o registro.

Posso registrar um contrato particular?

Depende. Alguns contratos têm força de escritura pública (como os de financiamento com alienação fiduciária) e podem ser registrados. Em incorporações, o compromisso pode ser registrável para proteger o comprador, mas a propriedade plena exige o título definitivo registrado.

Comprei à vista direto do vendedor. Preciso da escritura?

Se o valor superar 30 salários mínimos, sim: a escritura pública é a regra. Depois, registre no CRI. Sem registro, a propriedade não se transfere.

Quando devo pagar o ITBI?

Conforme o município. Em muitos locais o ITBI é exigido antes da escritura; em outros, antes do registro. Consulte a prefeitura ou o Tabelionato/CRI competentes.

O que é matrícula e como consultá-la?

A matrícula é o histórico oficial do imóvel no Registro de Imóveis: localização, área, proprietários e ônus. Peça uma certidão atualizada no CRI da circunscrição do imóvel (presencialmente ou, em muitos estados, online).

Qual o prazo para registrar?

Quanto antes, melhor. Ao protocolar, você ganha prioridade. Se houver exigências, há prazo para corrigi-las sem perder a ordem. Deixar para depois aumenta o risco de problemas.

Checklist rápido: como garantir a propriedade

  1. Solicite a matrícula atualizada do imóvel e confira ônus e titularidade.
  2. Reúna certidões do vendedor e as quitações de IPTU/condomínio.
  3. Assine um contrato claro com prazos, multas e repartição de despesas.
  4. Pague o ITBI no prazo exigido pelo município.
  5. Lavre a escritura pública no Cartório de Notas (quando aplicável).
  6. Protocole o título no Registro de Imóveis e acompanhe a prenotação.
  7. Retire a matrícula atualizada com seu nome como proprietário.
  8. Guarde todos os comprovantes e certidões do processo.

Erros comuns para evitar

  • Assinar contrato sem conferir a matrícula e as certidões.
  • Pagar valores expressivos antes de ter segurança documental (use condições de pagamento vinculadas à entrega dos documentos e ao registro).
  • Achar que a escritura já transfere a propriedade (é o registro que consolida).
  • Deixar o registro para depois — o tempo abre espaço para penhoras e outras surpresas.
  • Usar procurações antigas ou sem poderes específicos.

Notas legais que ajudam a entender

  • Art. 1.245 do Código Civil: a propriedade imobiliária se transfere com o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis.
  • Art. 108 do Código Civil: negócios acima de 30 salários mínimos exigem escritura pública, salvo exceções legais.
  • Lei 6.015/73 (Registros Públicos): regula procedimentos no Registro de Imóveis (protocolização, exigências e prazos).
  • Lei 9.514/97: contratos com alienação fiduciária podem ser registrados sem escritura pública.

Conclusão

Para ter segurança, pense em três chaves: contrato bem feito, escritura correta e, sobretudo, registro concluído. É isso que garante a propriedade e evita dores de cabeça no futuro.

Vai comprar ou vender? Comece pela matrícula atualizada, organize as certidões e converse com o Tabelionato e o Registro de Imóveis desde o início. Em operações mais complexas, um profissional especializado pode economizar tempo e dinheiro.

Dê o próximo passo: verifique a matrícula do imóvel hoje e planeje seu cronograma até o registro.